quarta-feira, 21 de maio de 2008

desvairada

Juliette saiu sem pedir licença, sem pedir desculpas, sem adeus. Saiu sorrateira, como uma barata que passa correndo por baixo da porta. Levando pouco ou nada. Não queria vestígios da vida anterior. Não precisava mais de perfumes, cremes, salto alto. Queria a terra firme, o vento límpido sem atritos tocando sua pele branca cheia de sardas. Seus passos foram longos, seus desejos tentavam impedir a felicidade plena que a aguardava na próxima estação. Os bilhetes ainda não existiam, será que conseguiria um assento naquele trem? As pernas começaram a pesar e ela ainda nem tinha chegado na porta que dava acesso à rua. Resolveu dar um adeus ao cachorro. Pensou melhor. Talvez não devesse sair assim. Quem sabe uma festa de despedida? Pensou melhor. Um pequeno jantar, só ela e ele. Ouviu um barulho. Se escondeu atrás da cortina. Sentiu o cheiro dele tomando conta da sala. Viu o corpo nú que tanto desejara durante todo o outono. Mas agora era inverno e ela precisa ir. Precisava sentir o frio sozinha. Precisa se aquecer da sua própria pele, dos seus próprios desejos. Juliette esperou ele subir as escadas e num só passo alcançou a porta da frente sem se despedir do cachorro. Sem bilhetes. Seus pés tocaram o asfalto ela sorriu. O vento desalinhou seu cachos ruivos. Sentiu vontade de morder os lábios e gozou, como nunca antes. Sentiu, cantou, correu rumo à estação. Talvez pedisse carona. Talvez não.

sábado, 10 de maio de 2008

Valsa em ré maior

Vamos recomeçar do princípio dessa dança, meu bem. Deixa a moça falar porque as lembranças precisam agora serem reveladas, não apenas cumprimentadas.
Ela não disse que foi grave, mas foi. Doeu no fim do inverno. Doeu na primavera. Doeu no alto verão. Houve muita dança de pés e de corpos. Nem tantas. Mas as poucas foram infinitas naquela época. Se encontraram e sorriram como bons amigos, mas eram além e ele sabia disso. Sim, ela desejou que ele fosse embora. Desejou existir escondida,
e me perdoe, ela amou. De desejo de carne, mas amou. Também se ama os atos e ele dançava muito bem e tinha um sorriso de constância impecável, coisa impensável para ela naqueles tempos. Mas vamos falar da despedida (porque ela precisa) daquele dia em que havia uma fila para comprar ingressos. Fazia um mês que ele não estava.
Semanas de outros corpos junto ao seu. Ela não sabia estar só. Questão de preenchimento. E eles se olharam, e ela chorou. Existe uma divida, entende?

"Espera por um tempo que não sabe se vem
Todo o tempo é espera...
Esperar faz o tempo caminhar a passos céleres
Tempo que espero te esperar.
Porque não me liga e interrompe este estado em que não sei estar?
Porque não aparece e me solicita a dançar?
Porque não me acorda de madrugada e me convida para te amar?
Mas só me da esperas.
Estou cansada.
Faz tempo.
Faz vazio dentro de mim estas noites em que não está.
Faz tempo de te esperar..."

... naquela fila ela tremeu. Aquele espetáculo ela não assistiu.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

... não costumo fazer isso mas:

"Queria dizer... mas só penso. Penso que deveria dizer, mas só sonho e nada digo."
personagem RUBENS, Crisálidas. Cia 3x4!
Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?