domingo, 20 de abril de 2008

Inverno

Estou sentada em frente a ela. Estou em cima da bancada de madeira, ela está deitada. Seus olhos estão fechados. Os cabelos estão sem brilho e a primeira coisa que me vem em mente são as claras de ovo que minha tia uasava para dar brilho nos nossos cabelos. O cheiro depois de umas duas horas ficava insuportável, chegava então a hora de lavar. Não, não posso fazer isso. Talvez eu deva chamar uma cabeleireira para me ajudar. Merda. Odeio esse gato, ele sempre me assusta com essa cara horrível de quem sabe tudo. Sabe de nada, se soubesse nem teria entrado aqui. Fora. Chega. Puta que pariu, eu não estou conseguindo chorar, essa porra de situação não me deixa nem sentir a falta dela. Acho que tem alguém subindo, é melhor eu ir tirando os sapatos e depois as meias. A última coisa que eu vou tirar será a calcinha e o sutiã, talvez eu nem precise troca-los, se eles forem bonitos e estiverem combinando eu os deixarei. Na escola ela me pediu um lápis emprestado e no recreio ela veio se sentar ao meu lado. Ficou o recreio inteiro sem dizer uma palavra, voltamos para a aula e ela me agradeceu a companhia. Mulheres na maioria das vezes, usam técnicas que conservem suas feições. Não quero me perguntar isso, não vou me punhetar com essa pergunta, tem coisa que não tem explicação, todo adulto sabe disso. Porque esse vestido vermelho? Para que salto? Onde ela pensou que estava indo? Droga, eu quero chorar, eu preciso me concentrar e chorar hoje, agora que ela está aqui na minha frente. Suas mãos estão lindas. Lisas. Esse cheiro que eu estou sentindo está vindo da folha de lavanda que minha avó tinha nos fundos da casa. Eu não vou conseguir, eu não quero, eu não sou obrigada a estar aqui, sozinha. Mãe! Por favor venha me buscar, eu estou com medo, quero ir embora! Sua vaca, eu não te amo. Eu quero que as coisas terminem sem que eu tenha que fazer qualquer último favor. Essa carta de merda que você deixou, esse seu quarto com tantas e tantas fotos de todos esses anos que não existem mais. Eu estou chorando. Eu consegui, eu consegui. Estou chorando. Eu estou chorando compulsivamente.

Um comentário:

vidal disse...

não chora meu docinho!

Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?