sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Interior

Dona Erminda era assim. Desse jeito mesmo.
Falava tudo num tom, digamos, bem elevado, como diziam os vizinhos.
“Meu Deus Misericordioso, onde o senhor escondeu a farinha? Ai, esse bolo vai desandar!
Geraldinho. Geraldo meu filho, larga essa palavra cruzada e vem me ajudar. Faz alguma coisas homem.”
Dona Erminda, segundo seu Geraldo, gritava. Pra tudo. Falava tão alto e tão forte, que se passasse o dia inteiro em casa, tinha que tomar aspirina, de tanto que a cabeça dele doía.
- Mas também, você já viu o tamanho dos peitos?
- Minha santa, e a bunda?
As amigas não perdoavam. Para elas, dona Erminda não era mulher. Era insulto.
Depois de dois ou três goles, que ela costumeiramente dava no conhaque que usava para fazer seus quitutes, pronto, começava. Dava um suador! Desabotoava o vestido, molhava o rosto, o peito, soltava o cabelo e gritava.
Nessas horas seu Geraldo saía. Fugia mesmo. Ele era homem muito franzino. De cabelinho ralo e de saúde muito fraquinha. Tomava gemada todo santo dia. Batida à mão e com uma pitada de sal que era pra equilibrar o açúcar e sentir melhor o gosto da canela.
Dona Erminda acordava cedo. Junto com o Sol. Abria a cortina, a janela, as portas, tomava um banho, passava muita água de lavanda e do banheiro mesmo cantarolava:
“Acorda Maria Bonita, levanta vai fazer o café, que o dia já vem raiando e a polícia já está de pé...” E saí repetindo o refrão casa afora, cantava até passar o café. E quando a casa já estava naquele alvoroço de aromas, aparecia seu Geraldo. Ela já pegava os ovos, colocava o avental e saía se sacudindo. Batia. Batia. Batia até ficar cor de pérola. È a cor do ponto, não pode nem ser bege, nem branco, tem que ser pérola, com brilho. Como ela mesma repetia todos os dias para Geraldinho. Apelido que colocou no marido pra aquelas horas de antes do sono, de brisa quente, abajur ligado e saudade. Saudade de Geraldinho. Saudade de homem. De ser mulher. De sentir pra que serve tanta carne, tanta vontade de viver

Um comentário:

Roni Marques disse...

Ju, coração em flor:
Ótimos textos. Em especial, este da Dona Erminda, pelas mil nuances de aparência e essência.
Visitarei sempre o blog.
Tenho saudades de você, faz tempo não te vejo.
Beijão do Roni

PS Não use o e-mail com que eu loguei, continue usando o de sempre...

Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?