quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PARQUINHO

Os pés na areia quente arrepiavam meu corpo
O calor de queimar pés descalços
Me provocavam o arrepio em menos de um segundo
Gostava também de me sentar no balanço
aquecido pelo sol
O prazer era o mesmo da areia
Só que menos.
O outro – da areia – é almoço de domingo
Com caipirinha de limão pra abrir o apetite
É o sonho da sexta-feira
O outro – o do balanço – é jantar de quarta-feira
Com sobremesa de chocolate
É sonho de quinta-feira
Na segunda descanso.
Na terça começo a viver novamente
Os pés já querem sapatos o tempo todo
No máximo aceitam um chinelo
Enquanto o balanço
Ah, este me ensinou a viver...
Indo e voltando, indo e voltando,
Indo e voltando, indo e voltando,
Indo e voltando...

SONHOS

... mas ela foi se deitar. Suas pernas não estavam cansadas. Simplesmente sentia o peso do corpo esbelto - um olhar fascinante escancarando uma mente de finos pensamentos. Durante a noite ouviu o barulho constante do ventilador embalando seus sonhos. Na manhã seguinte se levantou, olhou para o lado: ele não estava. Foi até a sala, vasculhou tudo. Nem sequer um bilhete. Voltou ao quarto, tomou alguns comprimidos e dormiu novamente. Acordou com o sol se pondo. Já na sala, conferiu os recados da secretária eletrônica: ninguém havia ligado. Sentiu um enorme alívio: poderia continuar anônima em sua dor. Tomou outros tantos comprimidos, antes de se deitar, olhou o espelho e sentiu naquele exato entardecer que sua alma tinha lhe abandonado. Ficou ali, parada, tentando encontrar o momento em que partira. Pensou em escrever. Pegou lápis e papel. Acabou adormecendo antes da primeira letra. Dormiu ali mesmo, sentada, cabeça jogada sobre o sulfite branco. Acordou com o sol queimando suas costas. Tentou se levantar, não conseguiu. O telefone tocou, tentou novamente se levantar. Não conseguiu. O toque cessou no instante em que a campainha tocou. Seu corpo estava como que paralisado. Tentou gritar - voz inexistente. Seu rosto colado ao papel, olhos voltados para a janela e, na calçada, três andares abaixo, avistou Pedro cruzando a rua.

sábado, 24 de novembro de 2007

Meu Amor

Se Deus me desse essa vez
Eu escolheria esse nosso hoje
Esse dia contínuo
que é dormir ao seu lado
Eu diria a ele que tomasse muito cuidado
com coração dos outros rapazes
porque eu não seria de mais ninguém
Meu luto seria a sua ausência
E meu Natal a sua chegada
Com gosto de chocolate
e jeito bem masculino
Eu menina sabida
Nem sei porque
Me faria de um jeito
Sei lá
Cairía extasiada pelo seu gosto
Pelo seu posto de homem meu
Pelo meu jeito de mulher
que nasceu para ser sua.

Arame enfarpado

É que você tem uma música, sabe, saindo dos seus dentes. Um silêncio que é pausa. Um abismo. Me deixar cair para o teu lado é muito perigoso, não vejo o fundo, não tem cabeça batendo em pedra, areia, azulejo, é só profundidade. Uma paixão a segunda vista, meio que revisitada, percorrendo um caminho que se tem conhecimento. Mas tá diferente. Sinto uma boca de espera: "Só um minutinho, já vamos lhe atender".Sempre demorou e agora eu sei, é seu tempo que parece correr, mas quer que eu seja lenta. Coisa de muita espera, assim como quem não tá nem aí, só pra ver se eu tô mesmo. Calma, eu tenho que te ligar, acabar com isso! Mas espero, como um chocolate e espero. Eu já caí mesmo, agora
não terá mais fim.

PRECISÃO

Se eu contar até cinco,
se for por ordem
ou de tràs pra frente
Quanto tempo leva?
Em qual número você me alcança?
Em que meados eu te perco?
Se eu sorrir um pouco torto,
é feio ou bonito?
Se você tomar um sorvete enquanto eu te espero,
é bom ou ruim?
Quanto tempo leva pra você se apaixonar?
Em que segundo nossos lábios vão combinar?
Porque se passa um pouco pra frente
ou um pouco pra antes desse tempo,
Pode ser que não seja tão bom assim,
Talvez até achemos tudo muito ruim...

CAMA

As palavras não param de sair
Falar de coisas que não têm nome
Que ficam entre o cigarro e o sono
Que não vem
Porque estou indo
Nesse vazio sem rima
Desestrutura sem flor
Entre o ir e vir, o que temos?
Num banco de praça
Som parado nas tuas mãos
Não sei tocar
Um seio arrepiado no seu colo
Um útero só teu
Pai nosso antes de dormir
Três travesseiros mais um
Seu lugar
Aqui,
Você me acha
Na minha vez eu te perco e
Eu te quero e
Eu te espero, eu te amo.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Interior

Dona Erminda era assim. Desse jeito mesmo.
Falava tudo num tom, digamos, bem elevado, como diziam os vizinhos.
“Meu Deus Misericordioso, onde o senhor escondeu a farinha? Ai, esse bolo vai desandar!
Geraldinho. Geraldo meu filho, larga essa palavra cruzada e vem me ajudar. Faz alguma coisas homem.”
Dona Erminda, segundo seu Geraldo, gritava. Pra tudo. Falava tão alto e tão forte, que se passasse o dia inteiro em casa, tinha que tomar aspirina, de tanto que a cabeça dele doía.
- Mas também, você já viu o tamanho dos peitos?
- Minha santa, e a bunda?
As amigas não perdoavam. Para elas, dona Erminda não era mulher. Era insulto.
Depois de dois ou três goles, que ela costumeiramente dava no conhaque que usava para fazer seus quitutes, pronto, começava. Dava um suador! Desabotoava o vestido, molhava o rosto, o peito, soltava o cabelo e gritava.
Nessas horas seu Geraldo saía. Fugia mesmo. Ele era homem muito franzino. De cabelinho ralo e de saúde muito fraquinha. Tomava gemada todo santo dia. Batida à mão e com uma pitada de sal que era pra equilibrar o açúcar e sentir melhor o gosto da canela.
Dona Erminda acordava cedo. Junto com o Sol. Abria a cortina, a janela, as portas, tomava um banho, passava muita água de lavanda e do banheiro mesmo cantarolava:
“Acorda Maria Bonita, levanta vai fazer o café, que o dia já vem raiando e a polícia já está de pé...” E saí repetindo o refrão casa afora, cantava até passar o café. E quando a casa já estava naquele alvoroço de aromas, aparecia seu Geraldo. Ela já pegava os ovos, colocava o avental e saía se sacudindo. Batia. Batia. Batia até ficar cor de pérola. È a cor do ponto, não pode nem ser bege, nem branco, tem que ser pérola, com brilho. Como ela mesma repetia todos os dias para Geraldinho. Apelido que colocou no marido pra aquelas horas de antes do sono, de brisa quente, abajur ligado e saudade. Saudade de Geraldinho. Saudade de homem. De ser mulher. De sentir pra que serve tanta carne, tanta vontade de viver

lambe-lambe

Procura-se:
"Alguns suspiros, muitos sussurros,
um querer quase imediato, quase inevitável.
Umidade por entre as pernas...
Promessa de muitos outros dias!"
Ofereço recompensa.
Quem encontrar, favor entrar em contato com:
minha casa,
minha cama,
meu corpo.
Atenciosamente,
um Desejo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

cronologia

Livro de cabeceira casado com prato de mesa do palito que acende a vela da
tua sacanagem em ser de confeito entre meus meios de ontem para fora do
tempo até outro descanso no sorriso molhado da língua ardendo em alegria de
saber o corpo por conhecimento sonífero no banho de quatro pelo rosto e
dedos numa dor acabada em gozo. Saudades.


Ps: Era isso, é teu! Não tá acabado,
mas deixei você ver ...

curiosidade



Então ele estava bem na minha frente, em sua cadeira rodante, com uma, digamos, uma grande mesa de jantar em seu colo. Azul, amarelo, vermelho, branco e umas outras cores que não me lembro o nome. Ele cantava e muita gente, muita gente parando, olhando, levando aquilo tudo feitinho na hora, igual pão quentinho... Era fornada pros meninos, fornada pras meninas, fornada pra mulheres altas e homens barbudos. Era uma agilidade de desenho animado. "Patati, patatá... patati, patatá..." e enquando eu piscava: pronto, estava feito. Menina, você quer um? Menina eu vou fazer um só pra você... Menina...
Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?