segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Diva

Carmelita que ser estrela. Desde pequena ja sabia e explicava ao pai:
-Quero ir pra Cidade Grande, aprender a rir, chorar e ficar brava na hora que eu quiser.
Quero fazer igual ao palhaço aqui do circo, só que diferente, mais contido.
O pai se abismava diante de tanta sabedoria, mas infelizmente não sabia o que responder. Carmelita fez 15 anos e resolveu comemorar, cortou uns panos velhos, pintou o delicado rosto com tinta guache e no meio da noite reuniu toda a família, inclusive pipoca a cachorrinha inteligente, que aliás era platéia costumeira de Carmelita, pois nada foi de improviso, estava tudo muito bem ensaiado. Pediu ao irmão mais velho que anunciasse, segurando um lençol branco bem esticado:
- Vinda da Cidade Grande, a majestosa estrela: Carmelita.
O pano caiu e a menina começou a recitar o que ela chamava de monólogo. Chorou, gargalhou, se jogou no chão, levantou e agradeceu a sua platéia como vira na TV. A família aplaudiu extasiada, nem todos sabiam dos dotes artísticos da menina. Ao final da comemoração seu pai lhe pediu que no dia seguinte fosse até a praça comprar a passagem para a Cidade Grande. Na manhã seguinte lá estava ela. O ônibus sairía naquela tarde, logo depois do almoço. Dona Filipa chegou a perguntar se aquilo era mesmo verdade, e também teve muito medo. Ouvira dizer que na Cidade Grande as coisas são muito difíceis. Mas Carmelita não estremeceu, juntou seus poucos vestidos, um casaquinho de lã recém feito pela mãe, o único sapato, tomou banho, fez trança e passou um perfume que ganhara no tiro-ao-alvo na últina festa junina da cidade. No almoço foi aquela choradeira, os irmãos perguntando porque não podiam ir também, a avó que não falava, nem lembrava de nada fazia anos, chegou a desejar boa sorte e dar a benção. Carmelita pediu que só o pai a acompanhasse até a praça, melhor, para não parcer coisa de gente do interior, que vai todo mundo se despedir e é aquela coisa. O pai terminou o almoço, penteou os cabelos para trás com seu pentinho de bolso e chamou a menina, estava na hora. Carmelita pegou suas coisas, a vasilha com bolo e frutas que sua mãe tinha preparado, deu a mão ao pai e foram a pé pela estradinha de terra que dava na cidade. Quando Carmelita avistou o ônibus sentiu vontade de desistir, mas seu pai segurou firme em sua mão e seu medo desaparceu. Subiu as escadas do ônibus , sentou na poltrona 15 - fizera questão do número, para dar sorte - encostou a cabeça no banco e foi feliz, com o endereço de Tia Joana, parenta distante de sua mãe que morava na Cidade Grande desde que se casou com seu Altamiro, um importante cabo do exército. Carmelita adormeceu logo no primeiro quilômetro. Sonhou com palcos, luzes, tapetes vermelhos e autógrafos, muitos autógrafos.

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Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?