segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A moça do metrô

Estava saindo do trabalho e resolvi pegar um metrô até Botafogo, de lá eu pegaria um taxi. Estava chovendo e esse era o melhor jeito de não pegar o trânsito de Copacabana. Comprei meu bilhete, passei a roleta, desci as escadas e fiquei em frente ao ventilador. Estava tudo tranqüilo, só escutava o barulho do ventilador. Fecho os olhos. Fico um tempo assim. Ouço o barulho do trem se aproximando. Ouço um barulho de salto alto se aproximando. Levo um empurrão. Um pedido de desculpas. Abro os olhos e vejo uma blusa verde com um guarda-chuva roxo na mão. Antes que eu revidasse ou dissesse qualquer coisa, ela correu para dentro do vagão e se sentou. Entrei no mesmo vagão e me escondi de maneira que desse para vê-la. Era linda. Era realmente linda aquela mulher e seu salto, sua blusa verde, seu guarda chuva roxo e seu cabelo ruivo. Ela desceu em Botafogo. Eu também desci em Botafogo. Ela parou na escada que dava ascesso à rua e abriu o guarda-chuva. Eu estava sem, tive que correr, me abrigar na primeira marquise que avistasse e esperar que ela viesse em minha direção. Não, eu não tinha certeza, era apenas um desejo.
Ela veio. Passou por mim e seguiu. Atravessou a rua por entre os carros sem nem mesmo esperar o sinal fechar, subiu na calçada e entrou no cinema. Continuei atrás dela e, para que não suspeitasse, pedi um café no balcão do bar que ficava em frente à bilheteria. Senti frio na barriga, tremi e implorei que ela estivesse sozinha, mas não consegui ver quantos bilhetes ela comprou. Coninuei no bar enquanto ela se dirigia à sala três. Corri na bilheteria, pedi uma inteira para a sala três, sem nem saber a qual filme assistiria. Entrei na sala, estava tudo escuro, o filme já tinha começado e eu esquecera de ver o nome no bilhete. Nos momentos em que a sala ficava um pouco mais clara com as paisagens de gelo refletidas na tela, eu aproveitava para olhar ao redor, mas não a encontrei e acabei prestando atenção nos últimos trinta minutos de filme. Era um filme triste. Se passava na Transilvânia. As luzes se acenderam. Por algum momento tive a impressão de que ela estava ao meu lado, olhei para a minha esquerda e, quando fui olhar para a direita, a vi passando no corredor, tão apressada, que tive medo de perdê-la. Quando consegui sair da sala, ela já não estava mais no salão. Fiquei parado ali, no meio daquela gente toda me empurrando, enquanto o segurança me pedia licença, pois eu estava impedindo a passagem. Retomei o fôlego e resolvi ir embora, mas antes, vi um livro na vitrine e entrei para perguntar o preço. Comprei e mandei embrulhar para presente. Estava no caixa pagando e avistei um cabelo ruivo por cima da estante de livros. Antes mesmo de pagar o livro, saí correndo atrás daqueles cabelos. Ela seguiu rua abaixo. A chuva tinha diminuído. Antes de cruzar o terceiro farol resolvi pegar um táxi, pedi que ele seguisse aquela mulher e a esperasse no sinal seguinte. O táxi fez o que eu pedi, mas ela virou uma rua antes. O sinal abriu, os carros começaram a buzinar e o taxista avançou. Pedi então que seguisse em frente. A chuva recomeçou. Não consegui entender o que se passara durante aquelas duas últimas horas. Parei na padaria que fica na esquina da minha casa e pedi um conhaque - eu precisava dormir. Abri a porta de casa, olhei para o sofá e, tive uma vontade louca de vê-la sentada ali, me esperando.

19/02/2002.

O rosto, ao que me parece, é alvo.
Não diria belo,
descreveria como algo semelhante à ele.
São muitas as fotos que vejo.
Elas perfuram minha úmidade,
e repartem a ilusão passageira.
Tento ignorá-la mas,
ela está alí,
embaixo,
contando o fim dos meus míseros minutos.
Desço e ela ainda está lá,
intacta, presente.
Uma voz na secretária eletrônica.
É ela,
o motivo lícito de ele estar sempre ausente.

domingo, 27 de janeiro de 2008

MATO

... de tempos em tempos ela ficava vazia.

- Quer uma água com açúcar minha filha?
- Deixa ela chorar, chorar faz bem, lava a alma.
- Você vai ficar velha de tanto chorar, isso sim.
- Ih, tá precisando arrumar um namorado...
- Já, já eu vou dar um bom motivo para ela chorar !
- Sabia que na Espanha, eles chamam "Joaninha" de "Mariquinha"?
... é mesmo?
... hum, hum...

... chega, apaga a luz, já tá tarde!
... espera deixa só eu anotar...
boa noite.
boa noite.

lembra aquela vez...
xiiii...
só...
xiii...
Os olhos permaneceram abertos, não conseguiu mais dormir,
ela e um sapo, que coachou a noite toda.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Quando cai a chuva
por cima dos telhados,
ela atravessa o meu ser.
Então eu transbordo...

Safadesa

Peço à estrela que me leve
cadente nos teus braços.
Em rodopios,
deixo elas me alçarem pelos mares.
Vou aberta.
Preparando a lúxuria
(que desde a sua partida, internou-se num convento),
cabelos soltos,
mãos esticadas,
e meu corpo pousando
na pista ereta do teu sexo.

alto mar - posfácio

É dia de ver a lua em teus olhos,
já os perdi de vista,
mas lembro,
no meu corpo,
longe de mim não?
Fraquezas...

alto mar um ps.

... se acaso retornares e te aborreceres com a chuva,
passe diante dos meus olhos,
pois os dias têm me acompanhado...

alto mar

O inusitado de não ser o que sou,
de só existir para nós,
O silêncio de deixar o sangue escorrer sem gritar a dor do corte
e a meditação compulsiva,
é o que agora vivo,
é o que me ancora nesse cais,
impregnado por suas partidas...

no hay banda...

Sonhei de ser estado indizível
Uma calamidade honrosa.
Reciprocamente estranho.
Um grito.
Sua mãos através dos fios
Sua esperteza sã,
vagarosa,
contra meu eu,
à nosso favor.
Corda bamba em te ter.
Ao longe nossos olhos,
mãos que se dão,
um beijo.
Saudade, morte.
Saudade, vida.
Saudade, noite.
Saudade, gato.
Saudade, valsa.
Medo de lembrar.
Busco esquecer,
nos esquecer.
Dúvida, voz.
Preenchimento na exata hora,
o encontro.
Mãos que se uniram.
O sol que nasce.
O medo acabou.

Adúlteros

Somos simples
Não temos picos
Não há ressonância
É quase como o sinal da morte.
O que nos acontece
Deve terminar antes do fato
Somos sub-reptìcios
Inéditos,
a cada encontro.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Colombina

Ela anda muito sem palavras, sem brilho, sem lantejoulas para lhe cobrir o vestido. É tempo de ouvir um batuque e não há nada por perto, talvez um bloco no sábado, não sei... Por onde ela vive, as coisas são de outra ordem, parece até que o povo de lá não entende dessas coisas... Vai ter folia, mas ela vai ver da tv, vai chorar e se lembrar que é tão bom, tão bom, mas tão bom, que só de ouvir de longe já faz doer o coração. Ainda mais o dela, que pula mais que pipoca na panela e ainda rebola que é pra calar a boca de quem acha que branquela não tem gingado. Ai, ela tem suspirado muito por essa época, por esse tempo chuvoso, por essa banda que não vai passar...

tubo de ensaio

vamos ver no que dá,
se dá para fazer alguma coisa,
se da para pensar em algo mais...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

noite

...esse cara comeu muita gente. Comeu mesmo, comeu com tudo. Comeu gente que se você visse pelada, ía ter certeza de que o capeta existe e mandou algumas representantes pra testar sua paudurescência. Quer dizer, você nem consegue chegar perto desse tipo de gente, você é pequeno, o cara é grande. O cara enfileirou e foi o primeiro a pegar. Se você quiser falar em nomes, aí neguinho, pede pra pensar grande e entra na fila umas quatro vezes... Eu poderia ter sido ele, mas se sabe como são essas coisas de evolução, tudo tem sua hora.

quarta-feira

Rasura é um espaço pequeno que tem dentro de mim. Não tem profundidade e não quer ter. Não quer porque não quer, hora! Nunca peguei resfriado, meu peito é fechado, trancado, desconfiado de dia e desconfiado à noite - as vezes chega a ter medo do escuro - vive assim nesse ritmo de poucos amigos. Fundura é um outro espaço que tenho dentro de mim também, mas aí é conversa para outro dia, outra luz. Quem sabe no inverno...

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Maria Luisa

agora é a sua vez de contar... Tá, mas só vale aqui em volta... Nesse quadrado? Nele todo, não vale ir pra fora... Vou começar: um, dois... Você não tá fechando o olho direito, assim não vale... Tá eu vou fechar, vai logo... Mas se você não fechar eu não vou mais brincar... Eu também nem queria brincar disso... Eu que não queria... E porque você não falou? Esqueci... Olha, um Urubu! O que? Um Urubu! O que que é isso? Aquele passarinho grande ali ó... Ah! Nossa que passarinho grande! Ele come cachorro morto! Como você sabe? Meu avô me disse uma vez... Ele veio aqui outro dia. Vamos chegar mais perto dele? Vamos! Tem que dar a mão... é tem que dar a mão...

fim de tarde...

- Você não pode entrar aqui menina!
- Por quê?
- Você tem pouco cabelo, quase nada, ralo!

terça-feira

Dona Candinha esta agora com a mao na massa, nao sabe se faz bolo de fuba ou deixa o bolo branco mesmo. De fuba tem la suas vantagens e branco todo mundo gosta. Branco da pra rechear, sugere Alvira. Ah, mas de fuba da pra comer bem quentinho com manteiga e queijo branco, cafe fresquinho... hum... Vixe, num pode nao, bolo quente da dor de barriga! Gente, me deixa, por favor, parem de dar palpites, eu vou e fazer de chocolate, isso sim, vou fazer e nao vou colocar cobertura, to chata hoje, to revirada das ideias, vou resolver isso aqui e pegar meu croche! E por favor, se seu Altamiro das rendas passar por aqui, diz que eu fui pra Capadocia. Capadocia? Que lugar e esse mulher de Deus! Fica entre o Mar Negro e o Mar Mediterraneo, Turquia Alvira, Turquia! Sei... Vixe, a senhora ta avariada mesmo.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Segunda-feira

... ela acordou, foi até o computador, escutou uma musica linda e deu vontade de ficar em casa, ficar perdida, deixar as luzes apagadas e nem tomar banho. Deu vontade de fazer café e tomar muito café, café o dia inteiro. Simples: um cigarro e uma xícara de café. Sim, como naquele filme. Como em outros dias quando ainda nao tinha absolutamente nada com que se preocupar, quando ainda nao existiam contas, homens, profissao, amigos, felicidade. Ela era de uma época em que felicidade era algo intocável, indizível - apenas "sentível". Esses dias escuros tem ocorrido com frequencia, mas ainda nao posso aproveita-los. Por isso minto e finjo ser um homem, pai de familia, preocupado com a aposentadoria e com o futuro dos filhos. Sim, ainda estou fazendo analise. Talvez eu receba alta. Enquanto isso, vou até a cozinha do escritório e como mais uma rosquinha. Aproveito e coloco os fones no meu ouvido e ouço aquela música, a do computador. Tenho dois minutos.
Ela preferia ser humilde e não à sua altura que era enorme: Lóri sentia que era um enorme ser humano. E que devia tomar cuidado. Ou não devia?